"Nossa conversa
está indo muito bem. Estou animado. Agora pensa aí num jeito de a gente
trabalhar junto.” Foi assim, durante a saída de um almoço no início de
dezembro, que o empresário goiano Joesley Batista, presidente do conselho de
administração da JBS, maior empresa de carnes do mundo, convidou o
ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles para juntar-se a ele.
A ideia vinha
amadurecendo há pelo menos quatro meses. Os dois haviam se encontrado mais de
uma vez por mês ao longo do segundo semestre de 2011, no período de quarentena
autoimposta por Meirelles. Pensando se tratar de uma brincadeira, ele respondeu
que pensaria no assunto.
Batista telefonou na
semana seguinte para reforçar o convite. Outras dez reuniões se seguiram até
que, no dia 3 de março, veio o anúncio oficial. O mais longevo presidente do BC
comandaria o conselho consultivo da J&F, holding que, além da JBS, controla
outras seis empresas do grupo, com uma receita total estimada em 65 bilhões de
reais.
Sua função:
profissionalizar a companhia, criando mecanismos de tomada de decisão mais
independentes, a exemplo do que já fizeram outras grandes empresas familiares
brasileiras, como Natura e Gerdau. “O
Meirelles não vai ser apenas um consultor. Vai cobrar resultados dos executivos
e traçar estratégias para a expansão do negócio”, diz Batista. “Agora é com
ele.”
É relativamente fácil
entender por que Batista delegou a Meirelles uma tarefa espinhosa como essa. A
JBS vem sendo alvo de críticas por ter recebido mais de 5 bilhões de reais em
empréstimos do BNDES, a ponto de o braço de participações do banco ter se
tornado seu principal acionista individual, com 30,4% das ações.
Um inquérito para
investigar um possível favorecimento por parte do BNDES em uma operação de
emissão de títulos chegou a ser aberto pelo Ministério Público Federal do Rio
de Janeiro em fevereiro do ano passado (a JBS nega).
Ao mesmo tempo, a
dívida da empresa, na casa dos 10 bilhões de reais, e a falta de mecanismos de
governança têm feito com que as ações do frigorífico penem na bolsa, muito
embora a companhia tenha quadruplicado de tamanho desde o IPO, em março de
2007. De lá para cá, os papéis da JBS valorizaram apenas 3%, ante 54% do
Ibovespa.
“Meirelles empresta
credibilidade ao grupo”, diz um executivo próximo à JBS. “Além de ter
excelentes conexões empresariais, ele transita muito bem no governo.”
(Meirelles interrompeu a entrevista no dia 9 de março para receber o ministro
Fernando Bezerra Coelho, da Integração Nacional, na sede da J&F, no Alto de
Pinheiros, zona oeste de São Paulo.) O anúncio da chegada de Henrique Meirelles
fez com que as ações da JBS subissem até 4,4% na segunda-feira seguinte.
A pergunta que fica,
portanto, é: por que Meirelles aceitou a empreitada? Tido como responsável por
reduzir a inflação à metade nos oito anos em que esteve à frente do BC e baixar
a taxa de juro ao menor patamar da história em 2009, Henrique Meirelles
tornou-se uma das figuras mais respeitadas do ambiente empresarial brasileiro —
e seu passe vinha sendo disputado por grandes bancos e fundos de investimento.
Em janeiro, estavam
em sua mesa outras 12 ofertas de emprego no setor privado, entre elas a
presidência no Brasil dos bancos Barclays e Goldman Sachs (este último oferecia
ainda um assento no conselho da matriz, em Nova York) e dos fundos Vinci e KKR,
que prepara sua estreia no país. Meirelles não comenta as ofertas.
“Em todos esses
casos, Meirelles ficaria confinado em um pequeno escritório com um punhado de
gente”, diz uma pessoa que acompanhou o processo decisório. “Ele queria
projeção internacional, algo que acrescentasse peso à sua imagem.” A julgar
pelos planos de Batista, desafio é o que não falta na J&F.
A ideia é que, até
2014, tanto a Flora, de higiene e limpeza, quanto a Vigor, de lácteos,
quintupliquem de tamanho. A Eldorado, que eles pretendem transformar na maior
fábrica de celulose do mundo, vai começar a operar no fim do ano. O banco
Original, com ativos de 2 bilhões de reais, ainda não mostrou a que veio.
E a própria JBS não
terminou a faxina após a temporada de aquisições — as margens da companhia, na
casa dos 6%, nunca foram tão baixas como nos últimos anos. “Quando assumi o
Banco Central, o maior desafio do Brasil era a estabilidade econômica”, diz
Meirelles.
“Hoje, é a
competitividade das empresas. É aí que eu posso dar minha maior contribuição.”
Além da J&F, Meirelles manterá o posto no conselho de administração da Azul
Linhas Aéreas e deve ir para o conselho de outras três companhias nas próximas
semanas.
Evidentemente, não
foi apenas para melhorar a competitividade de uma grande empresa brasileira com
projeção global que o ex-presidente mundial do BankBoston aceitou o convite de
Batista. Há muito, mas muito dinheiro envolvido na sua contratação. Segundo
executivos que acompanharam o processo, o contrato prevê uma remuneração anual
de até 40 milhões de reais.
Além disso, existe a
possibilidade de Meirelles tornar-se sócio do conglomerado, decisão que ele só
deve tomar ao longo do ano. Para amigos do ex-banqueiro, o pacote foi
fundamental em sua decisão: seus oito anos à frente do BC foram justamente
aqueles em que o mercado financeiro brasileiro mudou de patamar.
O Ibovespa valorizou
497% durante o governo Lula, e os ex-colegas de Meirelles no mercado ganharam
como nunca. Entre 2002 e 2010, seu patrimônio, estimado em 100 milhões de
reais, foi administrado por um fundo americano e rendeu pouco acima dos
conservadores títulos do Tesouro dos Estados Unidos.
Como o real valorizou
108% no período, os investimentos em dólar foram um mau negócio. Para os donos
da J&F, no entanto, a dinheirama já foi mais do que compensada. Só na
primeira semana de trabalho de Meirelles, as ações da JBS subiram 1,6% — e o
patrimônio dos Batista aumentou cerca de 90 milhões de reais.
Antes de dar o “sim”
a Batista, Meirelles assegurou-se de que não correria nenhum risco. Ao longo de
pouco mais de um mês, reuniu-se com advogados e consultores para esmiuçar os
balanços da JBS. Recorreu a alguns conhecidos para checar o histórico
empresarial dos Batista (apesar de serem todos de Goiás, Meirelles e Joesley só
se conheceram em 2008, durante as conversas para a abertura do banco JBS).
Foi dele, aliás, a
ideia de começar pela criação de um conselho consultivo. “Meirelles é
extremamente zeloso de sua imagem”, diz um amigo do ex-presidente do BC. Além
de Meirelles, Batista já havia trazido outros executivos de mercado para
comandar as empresas da holding.
E nada indica que as
mudanças vão parar por aí. Segundo EXAME apurou, o empresário continua
sondando executivos para comandar o banco Original e a própria JBS. “Como
crescemos muito depressa, o mercado tem a sensação de que nossa expansão é
desordenada”, diz Batista.
“Mas sabemos bem
aonde queremos chegar.” Por enquanto está indo tudo às mil maravilhas. Mas como
os Batista, habituados a mandar em suas empresas e a centralizar as decisões,
lidarão com a estrela que acabaram de contratar? Só o tempo — e os resultados —
dirá.
Fonte: Exame.com
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